sábado, 18 de setembro de 2010

Velha culpa




"Lá vai a velha dondoca!", era assim que referiam-se a mulher que morava na cobertura. Ela usava scarpin preto e camurça, camisa branca de seda e saia azul-marinho que não deixava aparecer nem os joelhos. Deveria ter seus quase 60 anos e os óculos escuros Prada unido ao loiro cabelo teso de laquê apenas reafirmavam os apelidos que corriam pelos apartamentos: dondoca, chata, velha alcoviteira, rica besta, eram apenas alguns deles.

Amigos, não tinha, nem de pessoas gostava. As únicas com quem tinha o "desprazer" de ter contato eram as do seu condomínio e não gostava delas. Naquele dia não seria diferente. Na garagem o bad-boy escutava Black Sabbath em seu carro velho, com um cigarro na mão, cerveja na outra e tatuagens a mostra. Ah, como ela odiava cigarros, rock e tatuagem. Para o álcool abria uma excessão, não podia julgar pelos seus prósecos de cada dia.

No elevador a doméstica exalava cebola, pimentão, orégano. Horrível! Não aguentava o odor da pobreza. Fazia questão de trancar-se no quarto enquanto a casa era organizada e a comida não ficava pronta.
Enfim, chegava à cobertura e pretendia de lá não mais sair. Livrou-se da camisa de seda e do scarpin de veludo assim como da saia. Despiu-se para si e ficou em silêncio.

Por dias perguntaram-se os vizinhos onde estaria a velha dondoca que nunca mais passara com seu salto agulha para ignora-los. Ela reapareceu em uma manhã de domingo quando, ao abrirem a porta da cobertura, lá estava ela serena e nua com um rico lençol de seda em volta do pescoço.

Embaixo da bandeja de prata na mesinha de centro, a carta curta e grossa:
"Não era vocês que não aguentava mais. Era a mim. Era a mim não sendo aguentada por ninguém. Os livro de um estorvo e me liberto. Adeus... a quem puder interessar. Perdão".

W.A.M.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

O peso da camisa




O jornalista esportivo não nasce do nada, muito menos da necessidade de ocupar uma vaga na redação. Ele nasce do nadar, do brincar, do futebol com tampinha jogado no recreio, da carimba jogada na rua, das disputas de vôlei no colégio. Nasce das transmissões de Fórmula I do Ayrton Senna ou do aproveitar que seu pai está assistindo futebol e dar aquela espiada.

Um jornalista esportivo nasce ainda criança e forma-se antes mesmo de ingressar na faculdade, pois esporte é mais do que vocação, mais do que relatar os fatos em uma matéria corriqueira, é paixão. É não perder o racha do final de semana, é ter um piloto que morreu cedo como ídolo, é ter assistido, ainda criança, as partidas do Guga quando os adultos não tinham o mínimo saco, é torcer por um time a ponto de uma camisa deixar de ser uma simples vestimenta e ter um peso tão grande quanto qualquer parte do seu corpo.

É... Um jornalista esportivo desponta ainda criança quando, assistindo àquela partida de futebol, que nem ao menos é uma final de campeonato, chora. Há volta do sorriso, da conquista de um título, mas não há volta do choro. As lágrimas lavam a alma e dão vida a algo maior. Está escrito. Basta sofrer uma vez, aquele é o time que o seguirá por toda a vida e que, com uma dor imensa no peito, a criança terá que esconder anos mais tarde pela ética do jornalismo.

Um jornalista esportivo de verdade não está disposto apenas a narrar fatos, relatar momentos e expor números. Esse é o de política. O esportivo sente o momento e trata o estádio de futebol como um mixto de emoções a serem verbalizadas mais tarde em uma folha de papel. É preciso sensibilidade e muita paixão. A mesma paixão que se tem pela camisa que ficou guardada no armário empoeirado, escondida e amarelada. A mesma paixão que só aumentou naquela batida fulminante que assistiu ao vivo pela TV. A mesma que te faz chorar a cada conquista daquele ex-levantador vitorioso.

Jornalismo esportivo não é um boletim de ocorrências, é a poesia cantada pela torcida que apenas o mestre Nelson Rodrigues teve a ousadia e perspicácia de traduzir. Deixemos o B.O. para o jornalismo policial e que saia a literatura que nos formou e está há tanto tempo aprisionada ao lado da camisa, seja lá quais forem as cores dela.

W.A.M.

sábado, 11 de setembro de 2010

Dependence day




Hoje é o dia que vai destruir nossos corações. Ou pior, vai trazer a tona tudo que há de bom neles. Por que precisamos de um bom coração para parecermos vivos ou, pelo menos, de alguém dentro dele? Não é possível ser sem amar? Boa pergunta, né?

E quando você sofre por não amar alguém e precisar amar para sentir-se vivo? Que dor. Mas quem irá dizer que é dor maior que a de quem realmente ama.

O coração constrói barreiras que a razão reforça. A razão constrói barreiras que o coração destrói. Há uma linha tênue entre os dois e apenas um pode deter o outro.

São como torres gêmeas prontas a serem destruídas a qualquer momento pela dor de simplesmente não sentir. E todos sabem o que acontece em 11 de setembro.


W.A.M.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Alprazolam

Tinha um quê de melancolia, a face úmida, uma cruz invisível sobre os ombros. Tanto que andava mais curvada, as dores pulsavam, os soluços substituiam a voz que, quando saía, era ainda mais grave que o normal.

Tinha tudo. Família, amigos, trabalho estável e estudo, mas nesse quebra-cabeças faltava alguma peça e as outras já estavam corroídas pelo tempo. Desilusões, problemas, desgastes, cansaço... eles apareciam para substituir a razão de estar vivo.

Cabeça dolorida, olhos ardidos, voz embargada e uma sincera vergonha de si. Vergonha de saber que nada vai mudar se continuar chorando, vergonha de por algum momento não encontrar forças para levantar, vergonha de cada um dos sentimentos retidos no peito.

Não sabia porque continuar, mas tinha uma certeza, se decidisse ir em frente teria alguém ao seu lado. Agora era respirar fundo e se agarrar a isso.

Se amor não fosse o bastante, seria melhor desistir de si.

W.A.M.

domingo, 5 de setembro de 2010

Boom!

A razão para viver não é algo que se ache em manuais ou livros da faculdade, só se aprende vivendo. O problema é quando a vida vai passando pelos seus olhos e você não consegue tocá-la, vive-la virou tortura, nada é novo ou parece valer a pena.
Sentir-se trocado ou desvalorizado só é possível quando está cercado de um vazio cheio de pessoas. Nada parece valer a pena, nem mesmo um velho porre de vodka pode encher seu interior.
Você precisa de amor. Não o de outrem, mas de você mesmo. Quando o amor próprio vem primeiro é mais fácil amar e sentir-se amado.
Se você não se ama, não conseguirá deixar que lhe amem. O problema é que sentimentos não são controláveis, se o fossem não seriam sensações e sim equações.
Ninguém é uma equação, mas se não for possível equacionar, o sentimento explode você por dentro. Aí é tarde demais.
Boom!
Tarde demais...

W.A.M.