segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Amargo dezembro

Aquela garota detestava o mês de dezembro e aquilo estava escrito no rosto dela, nas atitudes dela, principalmente nos olhos. Não que não gostasse de ter nascido naquele mês, na verdade não teria escolhido outro, mas não lhe trazia boas lembranças.

Como se não bastasse as más lembranças dos aniversários, das pessoas trancadas em um quarto da casa para não ter que encará-la quando completava suas primaveras, foi também em dezembro que sua vida faleceu. A vida que cuidou dela quando era um bebê e que há muito era cuidada por ela, tomava banho pelas mãos dela, e também há muito nem sabia que ela era sua neta. Foi em dezembro que a sua vida se foi sem nem lembrar quem ela era. Só lembrava que não era feliz quando voltava à lucidez em momentos raros nos quais se desprendia da época longínqua na qual a doença lhe prendeu. Sua vida era fraca, não se segurava nas próprias pernas, mas com certeza não havia perdido a sinceridade do olhar. Era de família falar com os olhos. E ela se foi uma semana depois do nascimento da menina e uma semana antes do natal.

E o natal... não costumava ser tão ruim, mas lá estava ela. Entre uma família que se odiava e pessoas que amava. Olhou para a cadeira ao lado e ela estava vazia. Ela olhava e via os fantasmas dos natais passados, a cadeira vazia involuntariamente há 4 anos e a cadeira recém vazia, porque não cabia mais ali.

O calor daquele mês a sufocava, mas ele tinha sua mágica. Ele a aproximava daquela outra mulher que ela nem mesmo sabia como ainda se aguentava nas pernas, mas sabia que tinha um coração como nenhum outro já feito por Deus. Um coração tocado por Midas e intocado pela maldade humana. E ela sonhava um dia poder ser que nem aquela mulher, ou como aquela outra que falecera há quatro anos... e via que o aquele mês não era tão ruim, pois foi nele que ela dera o maior presente que sua mãe já houvera ganho na vida: a sua própria vida. E, somente por isso, ela fazia questão de viver muitos dezembros mais.

Sua vida não havia ido embora em dezembro, ela havia chegado e dado força para superar os outros onze meses do ano.


W.A.M.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Como se mede mesmo?

Naquele lugar tudo era lembrança. Memórias dançavam como fantasmas à sua frente, contando histórias alegres como naqueles tempos.
Sentada no sofá, o vento gélido e forte acariciando os cabelos, ela via os amigos, as risadas, aquela prova de roupas marcante, aquela noite de brincadeiras, aquele dia choroso, o primeiro beijo de dez andares, o primeiro grito por leite, os primeiros amigos que a fizeram sentir viva.
Os fantasmas simplesmente caminhavam e refaziam os momentos como se fossem orogramas despropositais com o maior dos propósitos: lembrar que nada foi por acaso.
Por mais que aqueles corpos à sua frente não fossem compostos de músculos e não tivessem em si orgãos pulsantes, eles emanavam amor. Um amor que não podia ser medido em tempo, trabalhos ou festas, mas nas vezes nas quais os corações daqueles fantasmas bateram acelerados em uníssono.
Isso ninguém poderia tirar-lhe, pois o presente ou o futuro não mudam o que não pode deixar de ser.

W.A.M.

A rubra paz

Ele cansou. É... simplesmente cansou, só não sabia porquê. Arfava naturalmente, a fala era soprada e trêmula como as pernas cambaleantes. Passara o dia só, deitado na poltrona da sala, olhando para as paredes cor de gelo e estava cansado.
Farto de não entender a indisposição que o acometia, ligou o seu velho carrinho preto e o direcionou para... para algum lugar, não sabia onde, só queria um lugar para descansar. Estava cansado.
Não era seu costume correr muito, mas não conseguia controlar o próprio corpo e o pé parecia pesar no acelerador. Pisou fundo, enquanto a velocidade aumentava. Entrou na BR e se antes estava preocupado com o descontrole do corpo, agora se via feliz, pois ele libertava a mente e a mente voava como uma Ferrari ao mesmo tempo que ele corria em seu carrinho popular.
Os prédios viraram borrões cinza, pareciam fumaça passando pela janela e logo pareciam rascunhos verdes que não paravam de colorir sua visão. Ele gostou e queria mais cores. Talvez pisar fundo fosse como pintar um novo mundo mais colorido e interessante que o seu. Talvez além do cinza e do verde, pudesse colorir o mundo com uma cor mais... humana. Por isso correu e pisou fundo até o último ponto do velocímetro.
Enfim viu ao longe um ponto bege movimentando-se junto com as cores que a velocidade produzia. O ponto foi chegando perto, bem perto, bem perto... Perto o bastante para que ele notasse que era engano.
A única cor viva naquele pedaço de estrada, logo enrubesceu. Ficou de um escarlate que não transmitia mais cansaço e sim... paz.

W.A.M.