_Vem aqui fora! Surpresa pra você, fitinha!
_Quem é?! - a garota respondeu já pensando na resposta seguinte 'estou tomando banho'... 'preciso estudar'...
_Venha ver!
É... la foi ela em passos pesados e decididos a por um fim nessa futura conversa. Foi abrindo a boca pronta para despejar uma verborreia, de certo modo, deselegante, quando o viu. Parou de súbito. Escutou um sorriso largo seguido de uma risada rouca.
_Venha dar um abraço, meu xodó.
Agora o mundo podia esperar mais uma visitinha surpresa do vovô. Mais uma oportunidade para falarem sobre futebol. Mais uma oportunidade para voltar a ser criança naquele colinho magro, porém cheio de calor humano.
***
Chegou a hora da netinha fazer a surpresa. Encontrou algo diferente do esperado. Sorte a dela que conseguiu um sorriso daquele homem acabado, esquálido, com um discurso sem perspectivas de vida, provavelmente escrito por um alemão que o faria esquecer de tudo depois.
As mais sinceras lágrimas borraram a maquiagem. E ele nem notou. O nó na garganta não a deixou externar. Tinha certeza que aquela seria a última conversa.
***
Em uma rede social, uma nova janela abre. "Prima, vovô está no hospital. Liga pro meu pai pra saber melhor". Hospitais viraram rotina naquela família, deveria ser um complicação leve. Nada grave.
*o telefone toca* "Meu amor, vem pro hospital. O médico autorizou a familia ver o papai pela última vez."
...
O grito de desespero fora tamanho de forma a assustar o vizinho. Sem pensar duas vezes pegou o carro com a esperança de que ele criasse asas mágicas.
No hospital encontrou um homem longe do que fora. Irreconhecível. Lutando enquanto entoava como uma sinfonia rouca e desesperada seus últimos suspiros.
Tarde demais para devolver as visitinhas surpresas.
Conter o choro não era mais possível. Afluentes de lágrimas desciam a banhar o tórax castigado pelo cigarro que estava matando aquele homem. Em algum lugar ali estava escondido o vovô Lôia. A neta, lutando por ser entendida em uma última mensagem, lutando por medo dele ir embora sem saber... a garota avistou os olhos vidrados semi-abertos, acariciou a testa morna e gritou. Literalmente gritou: "EU TE AMO, VOVOZINHO!" Ato na esperança que ele ouvisse. Ato que não esboçou reação.
Mais tarde o médico o liberou. Mas para morrer em casa. Era o último desejo.
***
O telefone, sempre ele. Tocou às 5 horas da manhã. Antes de tirá-lo do gancho o coração anunciara o que foi verbalizado pelo tio. "Papai viajou".
***
A ideia de vê-lo naquele caixão impessoal, a apavorava. Esperou as quase 24 horas do velório até conseguir ficar a sós. O coração doía de uma forma inexplicável.
Ele estava lindo. Do jeitinho que era em vida. Faltava apenas o largo sorriso que sempre quebrava as pernas da netinha.
Um beijo na testa e o susto. O frio mórbido e temido estava ali. Levara todo o calor do corpo de quem um dia a aqueceu. Levara tudo, menos as lembranças dos 2.
***
Ele está ali. Parado no cantinho da porta só observando a neta adolescente brincar de cavalinho com os outros netinhos. De repente a gargalhada rouca. "A única que gostava de mim assim e me deixava brincar quando criança era você. Xodó do vovô".
Emocionada, deu um beijo na testa do homem. Quente como o sol do sertão onde nasceu e onde preferiu ir embora.
***
Até já, vovô. Nem esse mês completado hoje, nem 50 anos, apagarão seu sorriso rouco do meu coração.
W.A.M.