Os fios grisalhos de liso cabelo são, cada um, marcas contundentes de suas vitórias, dos instantes nos quais esteve cara-a-cara com gol. Hoje, só restam momentos petrificados em frio papel fotográfico e em manchetes de jornal. Ele guarda essas fotografias como relíquias de uma vida da qual ele fugiu por medo de ser ele mesmo, temendo que o enxergassem na reclusão de seu ensurdecedor medo da antiga paixão.
A quase total falta de audição ocasionada pelo beijo violento de sua redonda e mais amada amiga, o fez outra pessoa: resignado e amedrontado. Mais uma vida mudada por uma doce vingança. Depois de tanto chutar, ela o chutou e isso ele não pôde suportar. Não é assim mesmo que sempre acaba?
O único contato com o mundo exterior faz-se pelo jornaleiro e dentre os jornais e revistas assinados, uma chama-lhe atenção pela manchete: "O 10 maiores artilheiros do Brasil"! Ele busca pela matéria, mais por curiosidade que por qualquer outro sentimento e de sopetão tem um choque. Lá está ele, entre os 10, entre os maiores craques da história.
Um filme começa a transpassar-lhe a mente e aparece lá, em frente a seus olhos. As vitórias. Os gols. Os títulos. A glória. Ah! A glória! Ele havia esquecido o quão doce era aquele sentimento. Aquela palavra que tão bem deleitava-se em seus pés e o impulsionavam a driblar como poucos fizeram.
Sentado na velha poltrona de tecido marrom ele consegue escutar. Escuta a narração daquele gol no parque antártica e a vibração da torcida em um dos momentos mais sublimes de sua vida. A glória.
P.S.: Humilde homenagem a Everaldo Moraes, o fenomenal "Chiclets". Um dos maiores ídolos da história do Palmeiras e do Ceará e que me recebeu docemente em sua primeira entrevista em anos de aposentadoria. Obrigada pela chance de compartilhar comigo alguns de seus infindáveis momentos. Posso dizer que ele é ainda muito maior que seu próprio talento [e eu não achei sequer UMA foto dele na internet...].