domingo, 9 de novembro de 2008

O saco de Machado

Machado de Assis, do alto da sua autoridade literária, contaminava a todos com suas palavras rebuscadas e vocabulário perfeito. Enquanto líamos sobre a morte do livreiro Garnier, tínhamos uma overdose de conhecimento.

Ah! Pobre Garnier. Mas algo atrapalhava a leitura daquela manhã, um barulho desconhecido e não muito comum em salas de aula. Morte me lembra preto e falando em preto, um objeto negro nos fez retornar do mergulho em Machado, surpreendeu alguns e enfureceu outros. No meio da leitura uma sombra irrompe dentre nós e se aproxima do saco preto que voava preso ao cesto de lixo. Nosso forte e temido companheiro Rafael resolveu salvar-nos da sombra negra e ruidosa, e com habilidade, travou uma luta mortal com ele até deixar o cruel adversário caído no chão [bem que aqueles anos jogando Mortal Kombat lhe serviram de algo].

Voltando à atividade normal, confesso que não consegui parar de pensar “por que tamanha revolta com um saco de lixo?”, bem Machado me esperava e esperava no cemitério São João Batista em um lindo cenário de bonecas de mármore. Mas falando em cemitério. Cemitério lembra morte. Morte lembra preto. E o preto saco não se rendeu à primeira tentativa frustrada de Rafael. Continuava seus sussurros recorrentes atrás da porta lutando para se soltar. Quando percebeu que seu colega estava em perigo, o cesto olhou para um lado, olhou para o outro, viu que o bravo Rafael já estava deleitando-se com Machado e tentou ajudar o pobre saco, mas tombou para o lado em uma tentativa frustrada. E mais uma vez a aula parou. Vinte pessoas observando um cesto desmaiado e um saco sufocado e, embora nossa humanidade nos mandasse ir ajudar os dois, todos se conteram, pois as crianças que corriam no cemitério esperavam para continuar a viagem.

Silêncio total com espaço apenas para a voz dos alunos que agora discutiam Garnier. “Os obituários da época foram muito usados como crônicas literárias”. Obituário lembra morte. Morte lembra preto. Falando em preto... Em uma tentativa desesperada, o saco correu pela sala até achar o centro exato da discussão. Enquanto todos o olhavam incrédulos, o saco se contorcia tentando murmurar algo. Tudo que ele queria dizer era que ele conheceu Machado e esteve no enterro do livreiro Garnier, na época era um saco menor, mas só queria dar seu testemunho.

Bem, Machado tentou, mas os personagens da manhã foram o cesto e o saco, este, inclusive, foi vítima de violência, mas perdoou o herói Rafael, afinal quem poderia dizer que um saco com mais de 200 anos para se decompor, teria tantas histórias pra contar.

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