O coração parou como em um enfarto fulminante, a respiração desapareceu de súbito e os olhos pareciam vidro duro arregalados de terror. Estava eu ali de frente com a morte. Maldita senhora milenar que insiste em levar o melhor de mim: os outros.
Vê-la ali, instalada na sala de estar como se tivesse sido convidada de bom grado, de mãos dadas com ele, me fez esquecer todos os bons modos. "Vá dizer oi pras visitas, faça sala pra elas" - sempre disse minha mãe. Teimei. Virei as costas e tentei retomar as batidas do coração assim como a respiração.
Lá estava aquela velha inxirida, mais uma vez, levando um pouquinho de mim. Voltar à sala não foi fácil. Foi necessário. E olhá-lo... Estava lindo. Rosto tranquilo como não via há muito tempo. Dois dias antes a visão no quarto de um hospital fora pior. E como fora difícil dizer adeus.
Como se diz adeus a quem não quer que vá? Como dizer adeus sabendo que não haverá volta? Meu coração se confortou com a ideia de que agora ele estava descansando em paz. Tinha, inclusive, ignorado a velha inxirida até... tocá-lo. Foi cruel. Sentir o gelo da pele que tanto me esquentou quando tive frio, quando tive medo, quando simplesmente fazia manha em troca de colo. Um gelo cruel. Mortal.
Não há como ignorar a velha maldita.
Ainda assim a sensação de que não era verdade circundava-me. Fui para casa, deitei na cama, fechei portas e janelas, abri a garrafa e fitei o teto. Era a primeira vez que ficava sozinha desde a notícia. Gostava de ficar sozinha. Não dessa vez. Só então veio a certeza que nunca mais o veria. Nunca mais deitaria com ele na rede de palha na varanda. Nunca mais receberia aquele sorriso escancarado de presente. Nunca mais receberia uma visita surpresa.
É. Virei. Desmaiei. Um sono profundo do qual não queria mais acordar. Mas acordei. A vida continua e um dia a outra chega. A indesejada, a inxirida, a maldita velha ranzinza. Ela virá e vai se instalar na sala da minha casa e eu também vou ser obrigada a fazer sala.
W.A.M.