"Lá vai a velha dondoca!", era assim que referiam-se a mulher que morava na cobertura. Ela usava scarpin preto e camurça, camisa branca de seda e saia azul-marinho que não deixava aparecer nem os joelhos. Deveria ter seus quase 60 anos e os óculos escuros Prada unido ao loiro cabelo teso de laquê apenas reafirmavam os apelidos que corriam pelos apartamentos: dondoca, chata, velha alcoviteira, rica besta, eram apenas alguns deles.
Amigos, não tinha, nem de pessoas gostava. As únicas com quem tinha o "desprazer" de ter contato eram as do seu condomínio e não gostava delas. Naquele dia não seria diferente. Na garagem o bad-boy escutava Black Sabbath em seu carro velho, com um cigarro na mão, cerveja na outra e tatuagens a mostra. Ah, como ela odiava cigarros, rock e tatuagem. Para o álcool abria uma excessão, não podia julgar pelos seus prósecos de cada dia.
No elevador a doméstica exalava cebola, pimentão, orégano. Horrível! Não aguentava o odor da pobreza. Fazia questão de trancar-se no quarto enquanto a casa era organizada e a comida não ficava pronta.
Enfim, chegava à cobertura e pretendia de lá não mais sair. Livrou-se da camisa de seda e do scarpin de veludo assim como da saia. Despiu-se para si e ficou em silêncio.
Por dias perguntaram-se os vizinhos onde estaria a velha dondoca que nunca mais passara com seu salto agulha para ignora-los. Ela reapareceu em uma manhã de domingo quando, ao abrirem a porta da cobertura, lá estava ela serena e nua com um rico lençol de seda em volta do pescoço.
Embaixo da bandeja de prata na mesinha de centro, a carta curta e grossa:
"Não era vocês que não aguentava mais. Era a mim. Era a mim não sendo aguentada por ninguém. Os livro de um estorvo e me liberto. Adeus... a quem puder interessar. Perdão".
W.A.M.